Tentei encontrar uma forma de expressar a minha revolta com os acontecimentos recentes no Senado, em particular com a patifaria cometida pelo presidente renan contra os Senadores Jarbas e Simon. Noblat já fez isso por mim, de forma exemplar, na escolha dos adjetivos (vejam aqui). Com a catarse feita, já estou na volta, para recuperar o fôlego e seguir em frente. Me lembrei então de um momento marcante na minha vida, aquele em que me tornei formalmente um pernambucano de papel passado, com muito orgulho, pela Assembléia Legislativa. Aí achei que deveria reproduzir aqui o que falei naquele dia 30 de março de 2005. Vocês vão entender lendo: é que aqui em Pernambuco é diferente — política é profissão de fé, é compromisso ético de homens de bem, com raras exceções. Era essa o emoção que me guiava naquele momento, é esse o sentimento solidário ao Senador Jarbas que me faz transcrever, para a leitura dos amigos, o que disse naquele dia.
Permitam-me começar estas palavras pelo roteiro nobre do agradecimento. Sou especialmente grato à iniciativa do jovem e competente líder do Governo, Deputado Bruno Araújo, e estendo o agradecimento aos nobres deputados que compõem a Casa Joaquim Nabuco, pela honraria que me concedem. Agradeço, ainda, ao Presidente Deputado Romário Dias, por nos convencer, a mim, Terezina Nunes e José Arlindo, esses também agraciados pelo mesmo título, que não poderíamos fazer (como ingenuamente pretendíamos) uma festa só. Este é um momento único, que merece ser vivido por cada um de nós, segundo a segundo de emoção solitária no púlpito desta Casa, sob a observação atenta de amigos. Sábia decisão, Presidente.
Busquei, na modéstia da minha reflexão, as razões dos senhores deputados de me fazerem pernambucano de papel passado. Sim, porque de coração já me sentia há muito tempo, nos meus 35 anos de Pernambuco. Quem ficaria imune, depois de uma superexposição dessas à diversidade cultural, deste Estado? Quem, em sã consciência, não se submeteria aos seus encantos, à luz hipnótica dos seus rios (o conterrâneo João Câmara que nos pinte)? Ou à tecitura poética das suas ruas (Manuel Bandeira que nos diga)? Ou ao calibre dos seus intelectuais (Gilberto Freyre que nos fale)? Ou à representatividade dos seus políticos (dignos, na sua imensa maioria)?
Resolvi então desconstruir a minha trajetória em Pernambuco e, ao fazê-lo, reencontrei de memória muitos dos que estão aqui, “intimados” na minha convocação para me ajudarem a recompor emocionalmente o cidadão que hoje se constitui. Fiz um mergulho profundo no tempo/espaço dos meus 35 anos neste Estado. Volto para tomar fôlego, na presença de vocês, e fico feliz por poder fitar cada um dos que fazem parte do rico mosaico que compusemos juntos por Pernambuco.
Anos 70. Revisito a Escola de Engenharia da UFPE. Ouço vozes de amigos nos seus longos corredores. Paro na cantina, sigo para o DA. Estamos todos na febril atividade das lutas pelas liberdades democráticas. Hoje vamos virar noite, numa das repúblicas estudantis, discutindo um ou dois artigos, a serem publicados no jornalzinho do diretório (A Voz). Amanhã tem “Parangolé”, o festival de música e artes dos DAs da UFPE – a cultura, nos escuridão do arbítrio, é revolucionária.
Residências estudantis da Boa Vista: o vasto território do romantismo, o medo da repressão (quem, na nossa geração, que viu amigos serem presos, não se lembra do terror que sentíamos das camionetes Veraneio?). Acampamentos nas praias: bons tempos aqueles em que podíamos dormir ao relento nas praias de Pernambuco. Bolacha creme-crack, leite ninho, água de coco – e muita conversa mansa, altas filosofias.
O mestrado em desenvolvimento urbano da UFPE, decisão de aprimorar a visão humanista, sociológica, para entrar no serviço público. A volta à Paraíba, Campina Grande, para fazer projetos urbanos. O Recife mandou nos chamar: Gustavo Krause, Luiz Otávio, Paulo Roberto. UrbRecife. A minha casa desde 1980. Tempos ainda difíceis, decisão corajosa – éramos “de oposição”, que significava outra coisa naqueles tempos.
Sindicato dos Engenheiros: a luta pelas Diretas Já. O Clube de Engenharia: a figura emblemática de Jaime Gusmão. O Movimento Muda Nordeste: a nova Sudene de Dra. Tânia Bacelar. A memorável campanha de 85 para a Prefeitura do Recife: “Jarbas é cara do povo, ele é o que é.” O governo de aliança que fundou o “modo jarbista de governar”. “A Esperança está de volta.” O modo arraesista de governar. Fidem, Seplan, a Agência de Desenvolvimento. O doutorado na Unicamp. Governo Jarbas, 93: de volta, desta vez para a Emprel. A Rede Cidadão, o SoftexRecife. A informática veio para ficar.
Jarbas 98: a política de alianças para mudar Pernambuco. O governo de 8 anos, continuidade rara em Pernambuco. Na realidade, vivemos o fim de um ciclo longo de 15 anos: a contribuição dos jarbistas para o desenvolvimento do Estado. A política de ciência, tecnologia e meio ambiente – vejo agradecido o comparecimento da minha equipe. O Porto Digital – vejo aqui muitas das empresa embarcadas.
Senhores deputados:
O ato que realizam, ao me entregarem o título que tanto me honra, confere a essa trajetória brevemente traçada um duplo significado. Primeiro, pela sua diversificação, o conjunto de atividades das quais participamos juntos, muitos de vocês que reencontro hoje, explica muito bem o momento que atravessamos em Pernambuco. Tenho repetido que Pernambuco está no ponto – pronto para crescer. E tenho orgulho de ter participado como coadjuvante da construção de viabilidade deste instante, que começou em 1985, na Prefeitura do Recife, sob a liderança de Jarbas Vasconcelos, completando-se com esta obra de engenharia política para governar Pernambuco. Segundo, o que me honra ainda mais particularmente, este ato também representa uma oportunidade para me dirigir à minha família, declarando de público, em momento tão solene, o que representam para mim.
Dona Maria Stela, Dr Edmilson: o seu filho de 17 anos, que partiu da rodoviária de Patos com uma educação do Colégio Diocesano que o orgulha, abraçando uma coleção de discos de 45 rotações com aulas de inglês que lhe seriam muito úties e com um coração gemendo de saudades, não ficou rico de coisas materiais, mas consegue pagar o seguro-saúde, a energia, a internet e a escola dos meninos. Sendo homem público, neste país, isso é mérito, que devo à educação que vocês me deram, meu pai e minha mãe. Meu maior patrimônio é imaterial, e está em boa parte representado nesta Assembléia, pelas pessoas que vieram e pelo que significam para mim. Tenho ainda um quintal em Olinda, de onde colhi flores de romeu-e-julieta e ramos de palmeira, filhotes das mesmas plantas cuja seiva mantém vivas as recordações da nossa casa na Bossuet Wanderley, em Patos, e da casa da minha avó Flora, em João Pessoa. Recebam do meu filho Daniel este arranjo como prova do meu carinho por vocês e pelos meus irmãos.
À minha mulher, amiga e compaheira Luci: sem você ao meu lado, eu não teria chegado até aqui. “Começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor”.
Aos meus filhos Lucas e Daniel: se tudo o que presenciam neste momento puder lhes ser útil apenas como lembrança, já estarei plenamente satisfeito com a minha nova condição de pernambucano, como vocês.
Aos meus amigos e colegas de Governo: a companhia de cada um de vocês nesta construção coletiva por Pernambuco é o que me faz colocar com orgulho a bandeirinha, todos os dias, na lapela do paletó.
Finalmente, ao meu Estado de adoção e que agora formalmente me adota, renovo agradecido o compromisso de trabalhar por um futuro melhor para todos os pernambucanos.
Muito obrigado.
Recife, 30 de março de 2005
Cláudio Marinho
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