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Archive for the ‘passado digital’ Category

Henri Cartier-Bresson era aquele francês que parava o tempo no instante, capturando-o na objetiva da sua Leica feito um grito parado no ar. Não cabe nem um antes nem um depois: é só aquele quando, micro-recortado da paisagem, roubado à respiração dos viventes sob a mira certeira da sua câmera. Quer ver um exemplo? Olhe só o sorriso de orgulho deste menino dobrando uma esquina de Paris, equilibrando duas enormes garrafas de vinho. Podia ser antes? Nunca, nem depois.

Mas o que isso tem a ver com Olinda nesta Quarta-Feira de Cinzas? Tudo a ver. O carnaval de rua em Olinda levaria Bresson ao delírio, pela quantidade de instantes capturáveis. Aqui na rua da Boa Hora, tarde da noite, ainda zoam centenas de jovens ao som dos boizinhos. Fizeram ponto, aos poucos. E hoje são multidão, zanzando, conversando. Agora já acabou o som, sobe apenas o vozerio, uma multidão “avaliando” o carnaval e marcando o próximo.

Sempre achei que essa paixão dos jovens pelo carnaval de Olinda tem algo além dos blocos, do frevo, do encontro. Tem um negócio irresistível de “textura urbana”, de paisagem na escala humana fazendo o cenário perfeito do encontro das pessoas. É visual, é táctil, é fotogênico — gente recortada na paisagem em escala humana. É Bresson.

E quando a paisagem é grandiosa, como na fotografia abaixo, aí entra a poesia da imagem para humanizar a cena, tal qual uma composição niemeyeriana das curvas da natureza com o movimento do corpo humano. Pois é isso que Bresson faz com as adoradoras indianas. Vejam que ele encontrou um jeito de compor as montanhas (e as nuvens) com o movimento das mãos de uma delas e de encaixar suas cabeças abaixo da linha do horizonte e da linha de montanhas, num dó-ré-mi ao por-do-sol. Elas são maestrinas tal qual Tom Jobim “regendo” o Corcovado-que-lindo…

indiantas de cartier-bresson

Pois não é que encontrei a minha foto mais “momento cartier-bresson”? Dá licença pra falta de modéstia, viu? Mas achei a cópia, nem o negativo eu tinha mais. Como gosto muito dela, resolvi partilhar com os estimados leitores do blog. Por que tão especial, tão Bresson? Primeiro, tem meninos. Depois, tem lá no fundo a Serra de Teixeira, na Paraíba, uma paisagem majestosa que me lembrou a foto da Índia. Tem também os olhares dos meninos: a acuidade do cálculo (o menino da argola), a vigilância (o “fiscal” do fotógrafo), a atenção do concorrente (o menino da direita). E tem a composição de curvas da corda e da lança com a linha de montanhas (bendita teleobjetiva de 135 mm…inigualável). E tem mais: é uma brincadeira infantil no sertão nordestino dos anos 70 que recorda os jogos medievais de cavalhadas (pense num negócio bem ariano-suassuna…)!

Não é uma boniteza? 🙂

menino, argola e serra

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Acho que entrei num clima de natal varig, varig, varig… A nostalgia é uma autodefesa sábia do nosso organismo. É algo de instinto, biológico. Foi chegando perto o Natal e a musiquinha da Varig — aquela dos anos 60, que pra muitos da minha geração representa o sentimento do Natal melhor que qualquer jinglebell — ficou soando na minha cabeça (ouçam aqui o famoso jingle, na versão com sotaque gaúcho, um barato…).

Quer dizer, a nostalgia vem como autodefesa pra nos ajudar a ir em frente, diante de fraquejamentos emocionais tipicos destas festas de fim de ano. As TVs sabem muito bem explorar o sentimento do período, normalmente de solidariedade, de compaixão com os mais pobres e, especialmente, com as crianças. E se são pobres e recebem presentes anônimos dos programas empresariais de “responsabilidade social”, vixe, mais ainda… Basta ver as carinhas de alegria pra gente entrar no clima e pronto…chororô pra todo lado.

Então me lembrei de garimpar umas fotos do meu acervo digitalizado, para fazer este post natalino. Eu gostava de fotografar crianças em feiras do interior nos anos 70. Uma delas me marcou mais fortemente e vai aí embaixo. Eu não sei quem tinha a vergonha maior: se ela, a menininha suja num chão imundo de feira, que virava a cara, ou eu, intruso da sua condição de pobreza e sem coragem de lhe fotografar o rosto.

menina no chao de feira

De qualquer forma, sempre fui contra a foto-denúncia da nossa condição infra-humana mais primária. Crianças andando em esgotos, por exemplo, cenas tão típicas dos guias eleitoriais, são para mim um profundo desrespeito, mais ainda quando sabemos que são usadas sem o menor compromisso com a solução do problema apontado. Para mim, o fotógrafo engajado da condição humana não precisa apelar para esses expedientes grosseiros. Quanto mais sutil, mais ajuda. Vide Sebastião Salgado, o grande fotógrafo em preto-e-branco do homem sobre a Terra.

Tenho uma outra seqüência de fotos de crianças que me agrada muito. E ofereço àquela criancinha desconhecida da feira de Patos.

Foi feita na Praça do Carmo, em Olinda, em 1976. Eu me escondi atrás do pano de um teatro de mamulengos e pude roubar o “espírito” da criançada para fixar nos negativos da minha câmera.

Moços e moças, todos nos seus trinta e poucos anos hoje e que possam se identificar nas fotos: mil desculpas por ter roubado o êxtase comovente das suas expressões de crianças diante da trama dos bonequinhos. Espero que a alegria do reencontro com suas almas infantis ajude a me perdoar.

A todos vocês com quem partilho estas imagens: espero que lhes tragam um Natal varig-varig-varig, “de amor e paz”. “E um Ano Novo cheio de prosperidade”.

Sugestão: cliquem no link do YouTube aí encima e vejam as fotos ao som do jingle da Varig.

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Dá-lhe!

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Eita!

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E agora?

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Meudeus!

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Ó pra ele!

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Eu sabia!

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Ahaa…estas fotos ninguém tem! Pense num carnaval tranqüilo em Olinda. Era 1976 e a gente achava que a cidade era só nossa, dos moradores. O prefeito era Germano Coelho e uma turma de artistas, intelectuais, estudantes, jornalistas, agitadores, engajados, pirados e etc resolveu fazer um carnaval diferente.

A decoração da cidade foi feita por voluntários. Os blocos de classe média, em especial o Siri na Lata (“dos jornalistas”) e o “Eu Acho É Pouco” (“dos arquitetos”), fizeram a sua grande estréia no carnaval de rua. Ícones dos debutantes: o dragão artesanal dos arquitetos e o glorioso estandarte malamanhado do Siri. As fotos são raras.

“Se fugir, se fugir o siri na lata…”

“Eu acho é pouco, eu quero é mais…”

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O tamborim de Noblat na preparação do Siri na Lata, Carnaval de Olinda, 1976

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O primeiro estandarte do Siri

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Cavani Rosas “nem-aí” pro bloco (Noblat e companhia ao fundo)

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A decoração de Alcino, um dos artistas voluntários

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Costurando o dragão do EuAchoÉPouco na Ribeira

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A orquestra chegou! Agora tem diretoria…

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Sônia e Ivaldevan supervisionam a folia

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O EuAchoÉPouco quase chegando no BêbadoeoEquilibrista

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Não é que, pra revisitar o passado, a gente tenha que lançar mão do preto-e-branco, à maneira dos filmes antigos. Mas não é que fica mais charmoso? Queiram ou não, haverão de convir que passa um “clima”, uma nostalgia, um humphrey-bogart-em-casablanca…

Pois não foi nada disso que me fez postar aqui algumas fotos em preto-e-branco, que tirei eu próprio (fotágrafo amador, quer dizer, apaixonado pela Nikkormat duramente conquistada em viagem à zona franca de Manaus) nos anos 70. Foi algo mais prosaico e não menos apaixonante: resolvi digitalizar os meus negativos, centenas deles, laboriosamente revelados e copiados por mim mesmo em laboratórios caseiros de Olinda.

Resultado: descobri maravilhado que muito do que fotografei nunca havia sido copiado, por razões também prosaicas — falta de dinheiro na vida de estudante. Eu copiava algumas no papel Kodak caríssimo, só aquelas que tinham um jeitão na câmara escura do laboratório de que iam dar certo. Era muito calor, medo de escorpião, cheiro de revelador por todo lado, tinha que sair rápido, demorava a secar, tudo isso.

Resolvi então criar uma outra seção aqui no blog. Estou chamando de “passado digital”, e agora vocês sabem por quê. Vou começar postando uma série de fotos feitas com a teleobjetiva de 135 mm, a minha preferida para retratos, para “invasão de intimidade” dos artistas em pleno trabalho. Hoje me admiro quão sem-vergonha estava eu lá, em tudo que era show musical nos anos 70, de máquina em punho, me acocorando por ali na frente do palco, junto com os profissionais.

O resultado eu ofereço à minha geração, aos que “dormiram no sleeping-bag” e conseguiram sonhar, aos que estão na metade da vida (os niemeyers que já passaram dos 50…), pra matar a saudade da música que nos aliviava a dor de viver a atmosfera opressiva dos anos 70 no Recife/Olinda.

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Alceu Valença, 76 (obg, chicosaboya!), Praça do Carmo, Olinda

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Cartola, Teatro do Parque, Show “6 e meia”, entre 76 e 78

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Clementina de Jesus, mesmo show com Cartola

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Paulinho da Viola, talvez na mesma série do glorioso “6 e meia”
no Teatro do Parque, entre 76 e 78

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César Faria (in memoriam), pai de Paulinho da Viola; dedico a Paulinho
esta foto (belo DVD MTV Acústico!)

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Fagner, Praça do Carmo, 76 (não, nada a ver com o aniversário do Che…)

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Gal e Gil, Doces Bárbaros, Geraldão, 77?

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Hermeto Pascoal, 76/78, Teatro do Parque ou Sta Isabel?

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Macalé, DCE da rua do Hospício, 75/76 (a cultura em
tempo de opressão)

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